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A comunidade de um jogo é dona dele: o recado foi dado no League of Legends

Leo Bianchi

30/07/2020 11h25

Estúdio da Riot em Berlim, Alemanha, onde são disputadas as partidas da LEC (League of Legends European Championship Series) // Foto: Michal Konkol/Riot Games

Uma polêmica que movimentou o cenário competitivo de League of Legends esta semana mostrou o tamanho da importância e a influência que a comunidade de um game pode ter perante sua produtora. Após anunciar que seria patrocinada pela NEOM, uma iniciativa da Arábia Saudita, a LEC (League of Legends European Championship), principal torneio europeu do game e um dos mais fortes do mundo, foi criticada por fãs, jornalistas e, o mais interessante, até por casters e funcionários da própria competição –é como se um apresentador da Globo, o Willian Bonner, por exemplo, viesse a público por meio da internet criticar um patrocinador do jornal que apresenta. É algo que não acontece na TV. Com o LoL, deu resultado!

Anúncio da parceria com a NEOM foi publicado no dia 28 de julho

Menos de um dia após o anúncio, a LEC abaixou a cabeça, reconheceu o próprio vacilo e, com um posicionamento oficial do diretor de esportes eletrônicos da liga, encerrou a parceria. Vale lembrar: no dia anterior, a BLAST Premier, competição de Counter-Strike: Global Offensive, havia se alinhado à NEOM também, falando em "construir um ecossistema de eSports" na região.

"Em um esforço para expandir nosso ecossistema de eSports, nos movemos muito rápido para consolidar essa parceria e causamos falhas na mesma comunidade que queremos desenvolver. Mesmo perdendo nesse caso, estamos comprometidos a reexaminar nossas estruturas internas para garantir que não aconteça novamente", disse o executivo Alberto "Tiroless" Guerrero.

Para entender o tamanho da repercussão, é necessário entender o que é a NEOM. Trata-se de um projeto encabeçado pelo príncipe coroado da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, como parte de um pacote de avanço econômico do país. A ideia é construir uma cidade planejada na região noroeste saudita, em um lugar previamente pensado no que diz respeito às fronteiras com os países vizinhos. Uma espécie de "nova Dubai", repleta de tecnologia, próxima ao Mar Vermelho.

A grande questão, além do fato de tribos nativas serem desapropriadas do local e ser um projeto construído "a qualquer custo", é a postura internacional da Arábia Saudita. O país não respeita quaisquer direitos LGBTQIA+ e é acusado de diversas atrocidades ao redor do mundo –como o assassinato e esquartejamento de um jornalista dentro de um consulado. As reações indignadas dos casters e funcionários, reproduzidas acima e abaixo, são totalmente justificáveis.

Não à toa, até mesmo Guga Chacra, mestre em Relações Internacionais e especialista da TV Globo, demonstrou indignação com o assunto. De fato, não fazia sentido algum um game tão popular como o League of Legends, associado a diversas campanhas de combate à homofobia e causas importantes ao redor do mundo, se associar a uma marca tão tóxica. A mensagem passada por esse patrocínio é muito maior do que apenas uma transação financeira ou um planejamento econômico.

A grande mensagem passada por toda essa repercussão e pela série cronológica de acontecimentos, do anúncio da união LEC e NEOM até o fim extremamente precoce da parceria, é a de que, embora quem assine os contratos sejam os diretores, quem "manda", efetivamente, em qualquer campeonato de esporte eletrônico é a comunidade. Sem ela, nada faz sentido. Se não houver público satisfeito, não há game. Simples assim.

É necessário entender todo e qualquer impacto por trás de uma decisão ou da junção com marcas que não inspirem confiança ou que estejam diretamente relacionadas a problemas maiores. Não se trata de um tribunal, de julgar a atitude da LEC ou "cancelá-la". Porém, nesse caso específico, tratava-se de uma interpretação óbvia e que inspirava mais cuidados. Ouvir a comunidade foi uma obrigação, não um mérito. Que seja sempre assim, mas antes, e não depois.

Eefje "Sjokz" Depoortere e Trevor "Quickshot" Henry foram dois funcionários da Riot que lamentaram a parceria com a NEOM

Sobre o Autor

Leo Bianchi é jornalista, já foi repórter e apresentador do Globo Esporte. É apaixonado por competição e já cobriu Copa do Mundo, Fórmula 1, UFC e mundiais de CSGO, R6, FIFA, Just Dance e Free Fire. Também é youtuber e Pro Player frustrado.

Sobre o Blog

No GGWP você encontra análise dos cenários competitivos no Brasil e no mundo, além dos bastidores do universo envolvendo times, pro-players e novidades em geral.